quarta-feira, setembro 20, 2006

O melhor da terapia

Luiz Fernando Veríssimo

O melhor da Terapia é ficar observando os meus colegas
loucos. Existem dois tipos de loucos. O louco propriamente
dito e o que cuida do louco:o analista, o terapeuta, o
psicólogo e o psiquiatra. Sim, somente um louco pode se
dispor a ouvir a loucura de seis ou sete outros loucos todos
os dias, meses, anos. Se não era louco, ficou. Durante
quarenta anos, passei longe deles. Pronto,acabei diante de
um louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso,
como loucoconfesso, que estou adorando estar louco semanal.
O melhor da terapia é chegar antes, alguns minutos e ficar
observando os meus colegas loucos na sala de espera. Onde
faço a minha terapia é uma casa grande com oito loucos
analistas. Portanto, a sala de espera sempre tem três ou
quatro ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer
dali a pouco. Ninguém olha para ninguém. O silencio é uma
loucura. E eu, como escritor, adoro observar pessoas,
imaginar os nomes, a profissão, quantos filhos têm, se
são rotarianos ou leoninos, corintianos ou palmeirenses.
Acho que todo escritor gosta desse brinquedo, no mínimo,
criativo. E a sala de espera de um "consultório médico",
como diz a atendente absolutamente normal (apenas uma pessoa
normal lê tanto Paulo Coelho como ela), é um prato cheio
para um louco escritor como eu. Senão, vejamos: Na
última quarta-feira, estávamos:
1. Eu
2. Um crioulinho muito bem vestido,
3. Um senhor de uns cinqüenta anos e
4. Uma velha gorda.

Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual seria o
problema de cada um deles. Não foi difícil, porque eu
já partia do principio que todos eram loucos, como eu. Senão,
não estariam ali, tão cabisbaixos e ensimesmados.

(2) O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país
racista como o nosso, deve ter contribuído muito para
levá-lo até aquela poltrona de vime. Deve gostar de uma
branca, e os pais dela não aprovam o namoro e não
conseguiu entrar como sócio do "Harmonia do Samba". Notei que o
tênis estava um pouco velho. Problema de ascensão social, com
certeza. O olhar dele era triste, cansado. Comecei a ficar
com pena dele. Depois notei que ele trazia uma mala. Podia
ser o corpo da namorada esquartejada lá dentro. Talvez
apenas a cabeça. Devia ser um assassino, ou suicida, no
mínimo. Podia ter também uma arma lá dentro. Podia ser
perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava
olhadas furtivas para dentro da mala assassina.

(3 ) E o senhor de terno preto, gravata, meias e sapatos
também pretos? Como ele estava sofrendo, coitado. Ele
disfarçava, mas notei que tinha um pequeno tique no olho
esquerdo. Corno, na certa. E manso. Corno manso sempre tem
tiques. Já notaram? Observo as mãos. Roía as unhas.
Insegurança total, medo de viver. Filho drogado? Bem
provável. Como era infeliz esse meu personagem. Uma hora
tirou o lenço e eu já estava esperando as lágrimas
quando ele assoou o nariz violentamente, interrompendo o Paulo
Coelho da outra. Faltava um botão na camisa. Claro,
abandonado pela esposa. Devia morar num flat, pagar caro,
devia ter dívidas astronômicas. Homossexual? Acho que
não.
Ninguém beijaria um homem com um bigode daqueles. Tingido.

(4) Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e
baixinha. Que bunda imensa. Como sofria, meu Deus. Bastava
olhar no rosto dela. Não devia fazer amor há mais de
trinta anos. Será que se masturbaria? Será que era esse o
problema dela? Uma velha masturbadora? Não! Tirou um terço da
bolsa e começou a rezar. Meu Deus, o caso é mais grave do que eu
pensava. Estava no quinto cigarro em dez minutos. Tensa.
Coitada. O que deve ser dos filhos dela? Acho que os filhos
não comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de
domingos. Tinha cara também de quem mentia para o
analista.
Minha mãe rezaria uma Salve-Rainha por ela, se a
conhecesse.

Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com o meu
psicanalista. Conto para ele a minha "viagem" na sala de
espera. Ele ri, ..... ri muito, o meu psicanalista, e diz:
- O Ditinho é o nosso office-boy.
- O de terno preto é representante de um laboratório
multinacional de remédios lá no Ipiranga e passa aqui
uma vez por mês com as novidades.
- E a gordinha é a Dona Dirce, a minha mãe.
- E você, não vai ter alta tão cedo...


POIS É...

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