terça-feira, julho 03, 2007

Casamento/Separação


Nas últimas décadas,temos testemunhado uma espécie de banalização da experiência conjugal.
É cada vez maior o número de casamentos que são rapidamente desfeitos.Sem muito pensar,os parceiros dizem: "Vamos nos separar".
Na verdade,é como se estivessem dizendo:"Assim não brinco mais!"
E acabam se separando mesmo,sem refletir sobre as causas da insatisfação.
Acontece que um casamento não é uma brincadeira e não se pode simplesmente botar a bola em baixo do braço e sair de campo.Ou,pelo menos,não parece sensato fazer isso de forma irrefletida,uma vez que a união foi desejada.Numa perspectiva sensata e adulta,a questão que se coloca é:no que está pensando um casal (ou uma de suas partes) quando diz que quer separar-se? O que se esconde por trás desse "não brinco mais?"
Talvez a intenção seja preservar as individualidades,engolidas pelos papéis associados ao casamento.Talvez a proposta radical só mascare um protesto,uma queixa,ou expresse desejos pessoais,demandas que não requerem,de modo algum,rompimento.
Construir um casamento não é tarefa fácil.Exige revisão de valores e a renúncia a expectativas,hábitos,crenças,projetos,desejos e até esperanças.Isso não significa que essas dimensões serão levadas à extinção,tampouco que uma parte deva se anular diante das necessidades e demandas da outra.
Mas significa que a união conjugal é um ponto zero à partir do qual se estabelecem novos costumes,intentos,planos e ideais de felicidade.Para empregar um jargão psicológico,o casamento não é a soma de duas individualidades,mas um terceiro fenômeno,que transcende,supera e se diferencia da mera colagem dessas individualidades,para alcançar um feito novo: a vida a dois.Vida a dois é diferente da vida de um mais um,mas muitas pessoas entram no casamento movidas pela ingênua crença de que apenas somarão duas peculiaridades.
Ou casam-se apoiadas na suposição de que o casamento é a preservação de um - um só-,acrescido de um apêndice,uma espécie de upgrade.Adquire-se um marido ou uma esposa como se compra uma coisa utilitária qualquer,que deverá simplesmente se ajustar àquilo que já está pronto,ou seja: a própria individualidade,o próprio modo de ser,os próprios hábitos e valores.
O tal "não brinco mais!",mascarado de "quero me separar",em geral expressa o ressentimento pela vivência da perda de uma condição idealizada,em que o parceiro é almejado como um adereço,sem que tenha de renunciar a nada,sacrificar nada,aprender nada e,não menos importante,sem que a pessoa se disponha a evoluir.A experiência dessa perda é,de fato,penosa.Poucas pessoas se preparam para vivê-la,por não compreenderem o significado do casamento.Imaginam uma coisa e,quando chegam lá,é outra.
No entanto,é bom advertir: todos os casais passam por frustrações e decepções,além de experimentarem enorme demanda por transformações pessoais.
Todos,não apenas aqueles que chegam à separação.A frustração é inerente à empreitada conjugal - sem ela não existem crescimento,evolução e transformação.
Bem-sucedidos são os casamentos que sobrevivem à perda da imagem idealizada de que uma união é feita somente de harmonia.
Sejamos otimistas,porém também sensatos:basta que os pretendentes saibam que a tão desejada harmonia é um ponto ao qual se chega,que se constrói,raramente se apresentando como um ponto de partida.
Mesmo quando presente desde o início,a harmonia há de ser desconstruída em favor da edificação de uma configuração melhor e mais madura.
Na mitologia grega,Harmonia é filha de Afrodite e de Ares,ou seja,resulta do encontro do amor com a guerra.Se quisermos ser dispensados da segunda,dificilmente teremos conhecido a fundo a primeira.

(Alberto Lima) Psicoterapeuta de orientação junguiana,é professor-doutor em Psicologia Clínica e autor de O Pai e a Psique .

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