segunda-feira, julho 17, 2006

PREPARATIVOS DE UMA
MORTE ANUNCIADA

— Onofre, acabei de pegar teu exame.
O médico disse que você
vai morrer em uma semana
.— Hein?! O quê?!
— Você morre terça feira que vem.
Dia 25. Dia do soldado
.— Mas... que coisa horrível!
— Horrível por quê?
Melhor que morrer,
sei lá, no dia do Índio.
No dia da Secretária.
No dia do Ginecologista
.— Meu Deus!
Vou morrer em uma semana
e você me conta assim, na bucha, sem me preparar?
— Deixa de ser infantil, Onofre.
Você não é prato de bacalhau
pra eu te preparar.
— Uma semana...
Eu estou chocado!
Se bem que...
— O quê?
— Quer saber?
De certa forma foi bom saber logo.
Assim aproveito o tempo que resta.
Vou viajar, beber e comer
tudo que eu tenho direito.
— Aí é que está, Onofre.
Você vai ter que fazer dieta.
— Dieta?!
— Pra emagrecer.
O caixão que a gente
tem não é seu número.
Com essa barriga, você não entra
naquele ataúde de jeito nenhum.
Só entra de lado.
Você quer ser enterrado
de lado, Onofre?
— Claro que não!
Mas... não dá pra
trocar de caixão?
— É da loja do teu primo.
Fui do médico direto pra lá,
e foi o que ele me deu.
Ele só trabalha com
modelagem única e a
gente não tem dinheiro
pra comprar outro.
— Mas não é justo!
Tenho que fazer regime na última
semana da minha vida?
— E ginástica. E cooper.
Talvez até balé
— que só regime não vai dar conta
dos 15 quilos que você precisa perder.
Já te matriculei numa academia
.— Mas...
— Outra coisa.
Não esquece de começar a
convidar as pessoas pro velório.
— Eu?!
— É, ué. Não é você que vai morrer?
Era só o que me faltava...
você é que vai morrer e eu é
que tenho o trabalho...
Aliás, por falar em trabalho,
arranja um bico extra essa semana
pra conseguir dinheiro pra pagar a dívida do mercado.
— Peraí... regime, ginástica,
e agora... trabalho extra?
Eu estou doente, estou cansado!
— Deixa de frescura, Onofre.
Daqui a uma semana você vai ter
tempo de sobra pra descansar.
E se eu não pagar essa dívida,
o seu Joaquim disse que me mata.
— Ele disse isso?
— Disse.
E pode me matar em
menos de uma semana.
E aí eu vou ser enterrada
no seu caixão.
E você fica sem dinheiro pra
comprar outro caixão.
E aí você não vai ser enterrado.
Vai ficar por aí, pelas ruas,
em processo de decomposição.
— Meu Deus!
— Mais uma coisa.
Você vai ter que
visitar a tia Augusta.
— Ah, não!
Visitar a tia Augusta não!
Estou brigado com ela,
você sabe disso.
— Vai na quinta feira. Já marquei.
— Assim não dá!
Eu, pensando que ia passar
uma semana boa, tranqüila, esperando
pra morrer... mas nada.
Já vi que vai ser um inferno.
E se eu não for na casa da tia Augusta?
— Ela vai se sentir culpada por não ter feito
as pazes antes de você morrer.
E vai acabar morrendo de desgosto.
— E eu com isso? Não quero saber
.— Não quer saber?
Acontece que está provado
que uma pessoa leva,
em média, uns seis meses pra
morrer de desgosto.
— E daí?
— Daí que daqui a seis meses é
o casamento da tua filha.
E se a tua tia morrer, a gente vai ter
que adiar o casamento.
E se a gente adiar é capaz do
noivo desistir de casar.
Se ele desistir, tua filha
vai ficar arrazada
e pode sair por aí
namorando o primeiro
que aparecer na frente.
E o primeiro que aparecer na
frente pode ser um drogado.
E tua filha pode virar uma drogada.
E daí para o crime e para
a prostituição é um passo.
E daí ela pod...
— Chega!
Eu vou visitar a tia Augusta!
— Ótimo.
— Que mais?
O que mais você quer que
eu faça nessa semana?
Já tá perdida mesmo...
— Mais nada. Só cavar sua cova
pra economizar no coveiro,
que coveiro está saindo pela hora da morte.
— Deixa eu anotar, senão esqueço...
com tanta coisa... Cavar a cova.
— E não esquece de, no dia da tua morte,
ir pro lugar do velório cedo.
Pra morrer lá mesmo...
pra gente também
economizar no transporte do corpo.
Vai de ônibus.
— Mas...
— De preferência atrás,
agarrado no pára-choque,
pra não pagar.
— É uma boa... No pára-choque.
Só uma coisa. Uma dúvida
.— Fala.
— E se, por um acaso...
eu não morrer?
— Tá maluco, Onofre?
Depois desse trabalhão todo?
Nem pensa nisso!
Esquece essa possibilidade!
— É que de repente...
— De repente uma pinóia!
Vê lá, hein, Onofre?
Não vai me fazer a gracinha de
aparecer no teu velório... vivo!

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