terça-feira, maio 15, 2007

Carta a um meritíssimo juiz

Arnaldo Jabor - 01 de maio de 2007

Sr. Juiz, ainda não sei se a Câmara dos Deputados vai me processar,
como anunciou em plenário o presidente Arlindo Chinaglia.
Mas, caso V. Exa. surja à minha frente de capa negra e cenho severo,
quero que saiba exatamente do que me acusam, pois, nas palavras dos
deputados e de seu presidente, eu teria insinuado que 'os deputados são
todos canalhas'. Portanto, peço a V. Exa. que leia a íntegra de meu comentário
na CBN, do dia 24 de abril de 2007:


'Amigos ouvintes, Eu costumo colecionar absurdos nacionais que ouço,
vejo ou leio nos jornais para fazer meus comentários aqui na CBN. Muito bem.
Há dias em que não sei por onde começar. Há tantas vagabundagens neste
país que só mesmo sorteando um assunto.
Eu sorteei um que saiu no jornal O Estado de S. Paulo e acho que foi
um peixe grande.
O amigo ouvinte já deu a volta ao mundo? Não sei se sabe que são 44
mil quilômetros. Pois bem...Todos sabemos que nossos queridos deputados
têm o direito de receber de volta o dinheiro gasto em gasolina, seja indo
para seus redutos eleitorais, ou para o motel com sua amante ou seu amante.
Pois bem, a Câmara, ou melhor, você e eu, meu amigo, nós pagamos esse
custo, desde que eles levem notas fiscais para comprovar o gasto de gasosa.
Muito bem, de novo. Vai prestando atenção.
Nos primeiros dois meses da atual legislatura, os deputados, em dois
meses apenas, pediram o reembolso de 11 milhões e 200 mil reais, pagos
com a verba da Câmara.
Os repórteres do Estadão Guilherme Scarance e Silvia Amorim fizeram
as contas e concluíram que entre fevereiro e março, com dinheiro público,
os deputados teriam gasto um milhão de litros de gasolina. Ou seja,
essa quantidade de gasolina daria para dar a volta ao mundo 255 vezes.
São 255 vezes 44.000 quilômetros, que dá a distância de
11.200.000 quilômetros.
E a í é que vem a resultante espantosa: A distância da Terra à Lua é de
384 mil quilômetros, ou seja, senhores, senhoras ouvintes, daria para
fazer a viagem de ida e volta à Lua 15 vezes.
Será que eu fiquei louco? Se algum matemático me ouve, verifique se
estou errado. Mas acho que não. E o procurador-geral do Tribunal de Contas
da União, sr. Lucas Furtado, denunciou-os dizendo que é uma 'forma secreta
de dar aumento de salários que eles não têm como justificar'... Será que o
sr. Arlindo Chinaglia não vê isso ou só pensa no bem do PT? E me digam,
amigos, quando é que vão prender esses canalhas? Quando a PF vai encanar
essa gente, com humilhação? Quando? Ah... desculpe... eles têm
imunidades e também foro privilegiado... É isso aí... amigos, otários como eu...'
Esse foi o meu 'crime', Sr.Juiz. Irrefletidamente, escrevi 'os deputados',
talvez parecendo uma generalização; mas é óbvio que me referia aos
autores da falsificação de notas fiscais das viagens interplanetárias e não a
todos os parlamentares, principalmente porque há alguns que
respeito profundamente - talvez não mais que uns 17, já que ultimamente
cresceu o número dos 300 picaretas referidos uma vez por nosso 'grande timoneiro'.
Além disso, Sr. Juiz, quero deixar claro que considero o
Legislativo a maior conquista que nos legou o Império, há mais de 150 anos,
fundamental instituição nestes tempos lulistas, bolivarianos e equatorianos,
para impedir que parlamentares sejam caçados nas ruas como ratazanas
grávidas, como acontece na Venezuela e no Equador.
Sempre defendi o Legislativo, como aconteceu no episódio do petista
Bruno Maranhão, milionário bolchevista que invadiu a Casa. Desafio
meus denunciantes, Meritíssimo, a mostrar uma frase de meus comentários, em
que expresse desejo de que o Legislativo seja enfraquecido. Em 1996,
pediram minha cabeça ao saudoso Luis Eduardo Magalhães, quando falei que
'deputados do Centrão estavam sendo comprados como num ´shopping center´'.
Quiseram capar-me, Meritíssimo.
Nove anos depois, vimos que eu não estava tão errado assim, com o
advento épico do mensalão, das sanguessugas e dos 'dossiês', seguidos
de esfuziantes absolvições de quase todos (os três últimos foram
agora reeleitos e absolvidos pelo 'povo'). Mas, em todos meus uivos e
ganidos, sempre ansiei pela pureza do Legislativo, contra os políticos que
nele entram ou para fugir da polícia ou para viver num país paralelo, cheios
de privilégios, sem pensar um minuto em nós, que eles deveriam representar.
Em meus devaneios românticos, sonho com Joaquim Nabuco, Tavares
Bastos, Zacharias de Góes, Ruy Barbosa e, mais modernamente, em gente como
San Thiago Dantas, Milton Campos, homens que, quando assomavam à
tribuna, o vulto de Montesquieu brilhava no teto e invadia as galerias.
Meritíssimo Juiz, nesses anos de comentarista nunca tive o sádico prazer
de emporcalhar o nome do Congresso, nem mesmo por falta de assunto.
Neste caso, quando denunciei, junto com o Estadão, essa
fraude intergaláctica, esperava candidamente que as notas fiscais
fossem conferidas e os ladrões punidos. Não imaginava que fossem
processar o denunciante, como se fazia na antiguidade, matando-se o mensageiro de
más notícias.
E mais, Meritíssimo, se um dia os nobres deputados apresentarem projetos
de Lei para o bem dos brasileiros, condoídos com a miséria que nos rói, se
um dia eu visse alegorias patrióticas, trêmulos oradores, polêmicas
sagradas, gestos indignados pelo bem do Brasil, meus comentários virariam hinos
de louvor, panegíricos à instituição.
Assim sendo, Meritíssimo, peço a V. Exa. que me absolva, com a mesma
leniência concedida recentemente a grande brasileiros como Waldemar da
Costa Neto, Paulo Rocha, José Janene, e tantos outros...
Agora, se V. Exa. se decidir por minha condenação, peço-lhe um único
favor, humildemente: Condene-me a serviços comunitários, como faxineiro da
Câmara dos Deputados , e garanto a V. Exa. que varrerei a sujeira dos
tapetes verdes, lustrarei bronzes e mármores com o mesmo zelo e empenho que
tenho tido, nos últimos 15 anos, usando apenas as vassouras da ironia e as farpas
do escovão.
Atenciosamente, Arnaldo Jabor.

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