terça-feira, setembro 29, 2009

OS CHILIQUES QUE OS POLÍTICOS DÃO...

Publicado hoje (28) na coluna Conexão Brasília, na edição impressa da Gazeta do Povo:


Nem Dercy Gonçalves teria a habilidade para a baixaria protagonizada na semana passada pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o governador de Mato Grosso do Sul, André Pucinelli. Perto deles, a boca suja da atriz era fichinha, coisa de pré-escola. Com o detalhe de que ela nunca foi eleita para nada, nem exerceu cargo público.

Por trás da troca de indelicadezas, a discussão entre Minc e Pucinelli expôs uma ferida nacional – a descompostura de uma enorme fatia da classe política. Perdão ao leitor pela reprodução de tantos palavrões, mas ela é necessária para ajudar a compreender a gravidade da questão.

Ruralista, o governador qualificou o ministro como um “viado fumador de maconha”. Mais além, disse que se Minc participasse da Meia-Maratona internacional do Pantanal, dia 11 de outubro, “o alcançaria e estupraria em praça pública”.

A resposta de Minc manteve o nível. “Ele (Pucinelli) deveria examinar e tratar com mais carinho o homossexualismo que existe dentro dele próprio e talvez aceitar isso com mais razoabilidade.” Também citou Freud: “muitas pessoas que tem o homossexualismo enrustido tentam matar o homossexual que há dentro dele próprio”.

Em resumo, os dois cozinharam três chagas da humanidade (drogas, violência sexual e homofobia), acrescentaram uma boa pitada de falta de bom senso e serviram como uma iguaria ao povo brasileiro. Sabem o pior disso tudo? Eles não são os únicos.

Há uma legião de políticos que sempre faz questão de fazer valer a máxima de que dar poder a uma pessoa é a melhor maneira de conhecê-la de verdade.

No mês passado, o ex-presidente Fernando Collor voltou à velha forma ao descontrolar-se totalmente em uma discussão com Pedro Simon no plenário do Senado. Dias depois, no mesmo local, Renan Calheiros chamou Tasso Jereissati de “merda”.

Bola da vez na disputa presidencial, Ciro Gomes também não economiza no destempero. Entre as últimas pérolas, foi “enfático” ao dizer que o Ministério Público não estava apto a investigar o escândalo das passagens no Congresso Nacional. “Ministério Público é o caralho! Não tenho medo de ninguém, dos deputados, da imprensa. Pode escrever o caralho aí”, disse a repórteres em Brasília.

Descendo mais no mapa, o governador Roberto Requião protagonizou episódios insólitos ao longo dos últimos anos de governo, como quando mandou agricultores enfiarem uma faixa de protesto “no rabo”. A agressão é apenas um entre os hits de Requião no youtube. E eles não são poucos.
Cenas assim podem até causar risos, mas na verdade são como um filme de horror.

É obviamente um martírio ter de tratar com inimigos publicamente, responder a perguntas indiscretas de jornalistas mal preparados. Fazer o quê? Homens públicos estão aí para isso, candidataram-se para viver no fio da navalha e só avançaram na carreira porque convenceram a população de que sabem suportar pressão.

Respeito ao próximo é prerrogativa de qualquer pessoa que vive em sociedade. No caso dos políticos, deveria ser lei sob pena de prisão. Eles, mais do que qualquer cidadão comum, não têm o direito de dar chiliques.

Em um país que passa por uma rara oportunidade de dar certo, prepotência já não tem a menor graça. Por isso é tão importante avaliar com cuidado o comportamento dos políticos em campanha e depois de serem eleitos.

Assim como eles mudam de humor, você também pode mudar de voto.

sábado, setembro 26, 2009

O Monstro da Indiferença

Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isso: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar.
Vê, não vendo.
Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia sem ver.
Parece fácil, mas não é.
O que nos é familiar já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio. Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta.
Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe.
De tanto ver, você não vê.
Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo porteiro.
Dava-lhe "bom dia" e, às vezes, lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia, o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara, sua voz, como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu.
Para ser notado, o porteiro teve que morrer.
Se um dia, no seu lugar estivesse uma girafa cumprindo o rito, pode ser que ninguém desse por sua ausência.
O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem.
Mas, há sempre o que ver: gente, coisas, bichos.
E vemos? Não, não vemos. Uma criança vê o que um adulto não vê, pois tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo.
O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho, marido que nunca viu a própria mulher.
Isso exige muito. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia.
É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.


Texto de Otto Lara Resende

"A família está acabando"




O psicanalista francês Charles Melman, de 76 anos, foi íntimo colaborador de Jacques Lacan (1901-1981), o principal herdeiro de Sigmund Freud na França. Atento observador da realidade contemporânea, Melman usa os conceitos da psicanálise para interpretar as mudanças em curso na sociedade atual, como a dissolução do núcleo familiar. "Pela primeira vez na história, a instituição familiar está desaparecendo, e as conseqüências são imprevisíveis. Impressiona que antropólogos e sociólogos não se interessem por isso", diz. A maneira original como ele aborda as transformações sociais o coloca na condição de um dos maiores nomes da psicanálise atualmente. Melman estará no Rio de Janeiro nesta semana para participar de um seminário promovido pela associação psicanalítica Tempo Freudiano e para lançar seu mais recente livro, A Prática Psicanalítica Hoje. De Paris, onde mora, Melman conversou com o repórter Ronaldo Soares, da sucursal do Rio de Janeiro de VEJA. Seguem os principais pontos da entrevista.

FIM DA FAMÍLIA – Assistimos hoje a um acontecimento que talvez não tenha precedente na história, que é a dissolução do grupo familiar. Pela primeira vez a instituição familiar está desaparecendo, e as conseqüências são imprevisíveis. Impressiona-me que os sociólogos e antropólogos não se interessem muito por esse fenômeno. Nesse processo, podemos constatar que o papel de autoridade do pai foi definitivamente demolido. Antes, o menino tinha na figura do pai um rival e um modelo. Um rival que despertava nele o gosto pela competição e um modelo na busca do prazer sexual. Já para a menina, tratava-se de um homem em quem ela procurava se completar. Hoje, com o declínio da figura paterna, nossos jovens podem estar menos propensos a batalhar pelo sucesso, a estabelecer um ideal de vida e até a descobrir o gosto pelo sexo.


JOVENS NO DIVÃ – Fico surpreso quando constato que, se há uma clientela interessada e engajada na psicanálise hoje em dia, é a dos jovens dos 18 aos 30 anos. Eles não procuram o psicanalista pelo fato de reprimirem seus desejos, mas porque não sabem o que desejam. É uma situação totalmente original em relação a Freud. Antes, a pessoa recorria à psicanálise porque não ousava realizar seus desejos. Hoje, principalmente no caso dos jovens, é por não saber o que desejar. Isso acontece porque nossos jovens foram criados em condições que promovem a busca rápida do prazer máximo e sem obrigações. O problema é que essa forma de lidar com o desejo produz situações de dificuldade para os jovens. Isso os leva ao divã.

BUSCA DO PRAZER – Muitos jovens encontram dificuldade para desenvolver plenamente uma vida sexual. Isso parece paradoxal, porque hoje em dia o sexo é muito acessível. Mas na verdade essa facilidade leva à busca de uma vida sexual sem compromisso, que proporcione um prazer ocasional, como o cinema, a bebida ou a dança. Há aí uma mudança interessante, talvez uma tentativa de se proteger em relação ao compromisso que uma vida sexual pode evocar. A idéia é aproveitar sem se engajar, mas isso impõe uma questão: eles aproveitam plenamente? Esse é o fenômeno que chamei de nova economia psíquica. Ele é fundado sobre o princípio da busca imediata de prazer máximo, sem freios nem restrições. Esses momentos de prazer, que proporcionam uma satisfação profunda, são vividos, mas não organizam a existência, nem o futuro. Ou seja, a existência é feita de uma sucessão de momentos sem nenhuma projeção no futuro, de momentos que podem desaparecer porque não terão continuidade.


EXISTÊNCIA VIRTUAL – O mundo virtual proporcionado pela internet faz sucesso por se tratar de um mundo lúdico. É um mundo coerente com a maneira de viver dos jovens, não exige engajamento nem compromisso. Ali qualquer um pode viver uma série de vidas sucessivas sem nenhum compromisso definitivo. As pessoas querem se distanciar da realidade não porque ela seja assustadora ou sem-graça, mas porque ela implica sempre um limite. Além disso, a realidade requer uma identidade, um objetivo mais ou menos claro na vida, ao passo que esses exercícios virtuais não pressupõem nenhuma identidade, nenhuma perspectiva e ainda derrubam todos os limites, incluindo os do pudor e da polidez.


TERAPIAS BREVES X PSICANÁLISE – A psicanálise não busca nenhum tipo de cura, não se propõe a isso. Está, portanto, na contramão da medicina, cuja história é rica em experiências baseadas na cura, com métodos variados. Alguns desses métodos, até pelos efeitos de sugestão, não são ineficazes. Mas é preciso saber se nós preferimos os métodos fundados sobre a sugestão ou se consideramos que é melhor privilegiar a livre atitude e o pensamento de cada pessoa, e assim estimular nela sua autonomia de julgamento. Nos períodos de crise moral, como o atual, proliferam os métodos que prometem a cura. Aos que escolhem esse caminho, só me resta desejar boa sorte.


ANTIDEPRESSIVOS E TRANQÜILIZANTES – A saúde hoje é algo que se calcula em bilhões de dólares. É compreensível e até inevitável que os laboratórios estimulem o alto consumo de medicamentos como os psicotrópicos. A questão é que a hipermedicalização apresenta muito mais riscos do que vantagens. No caso das crianças, por exemplo, isso fica evidente. Sobretudo no que diz respeito ao uso precoce, recomendado pelos laboratórios, de neurolépticos (inibidores de distúrbios psicóticos). Esses medicamentos vêm sendo utilizados nas crianças para tratar distúrbios de personalidade ou combater problemas como insônia ou falta de apetite, entre outras coisas. Trata-se de algo absolutamente condenável, com implicações nefastas tanto sobre o desenvolvimento quanto sobre o estado físico da criança. Outra conseqüência grave da hipermedicalização é a predisposição do indivíduo para desenvolver dependência química. Primeiro, de remédios. Mas em seguida, possivelmente, de produtos fora do mercado legal. Com isso, poderemos chegar ao ponto em que a dependência vai parecer uma situação absolutamente normal, porque em muitos casos terá começado na infância.


PROZAC X FREUD – O Prozac e as idéias de Freud convivem. Às vezes de forma harmoniosa, às vezes não. A questão é: será que devemos apostar em um procedimento que vai tratar o conjunto dos problemas psíquicos pelas drogas? Ou devemos continuar a levar em conta, primeiramente, a livre escolha do sujeito e, em segundo lugar, o próprio papel do corpo? Nesse sentido, um produto como o Prozac desencadeia um curto-circuito. Dou um exemplo. Digamos que surja amanhã uma droga que, agindo sobre os centros cerebrais, produza um prazer sexual bem superior ao que se pode obter com o corpo. O que vamos preferir? Isso ou um acesso ao prazer sexual que continua a passar pelo corpo, mesmo não tendo a mesma qualidade do que pode ser proporcionado pela droga que atua diretamente sobre o cérebro? Eis o tipo de questão que o Prozac traz.


(Revista Veja nº 2057)

sexta-feira, setembro 25, 2009

Frase Motivacional!

Não esmoreça nem desista.
Acorde bem cedo e deite mais tarde ainda!
Trabalhe duro,mas duro mesmo!
Milhões de pessoas
que vivem do Bolsa-Família,
sem trabalhar,
dependem de você!

sábado, setembro 12, 2009

Otimismo ,sempre!



Não desanimem,ainda há uma esperança.

O avião presidencial também é um

AIRBUS!!!!!!

TRAPEZISTA


Querida, eu juro que não era eu. Que coisa ridícula! Se você estivesse aqui — Alô? Alô? — olha, se você estivesse aqui ia ver a minha cara, inocente como o Diabo.
O quê? Mas como, ironia? “Como o Diabo” é força de expressão, que diabo. Você acha que eu ia brincar numa hora desta?

Alô! Eu juro, pelo que há de mais sagrado, pelo túmulo de minha mãe, pela nossa conta no banco, pela cabeça dos nossos filhos que não era eu naquela foto de carnaval no Cascalho que saiu na Folha da Manhã.
O quê? Alô! Alô! Como é que eu sei qual é a foto? Mas você não acaba de dizer… Ah, você não chegou a dizer… ah, você não chegou a dizer qual era o jornal. Bom, bem.

Você não vai acreditar mas acontece que eu também vi a foto. Não desliga! Eu também vi a foto e tive a mesma reação. Que sujeito parecido comigo, pensei. Podia ser gêmeo. Agora, querida, nunca, em nenhum momento, está ouvindo? Em nenhum momento me passou pela cabeça a idéia de que você fosse pensar — querida, eu estou até começando a achar graça —, que você fosse pensar que aquele era eu. Por amor de Deus. Pra começo de conversa você pode me imaginar de pareô vermelho e colar havaiano, pulando no Cascalho com uma bandida em cada braço? Não, faça-me o favor.

E a cara das bandidas! Francamente, já que você não confia na minha fidelidade, que confiasse no meu bom gosto, poxa! O quê? Querida, eu não disse “pareô vermelho”. Tenho a mais absoluta, a mais tranqüila, a mais inabalável certeza que eu disse apenas “pareô”. Como é que eu podia saber que era vermelho se a fotografia não era em cores, certo? Alô? Alô? Não desliga! Não… Olha, se você desligar está tudo acabado. Tudo acabado. Você não precisa nem voltar da praia. Fica aí com as crianças e funda uma colônia de pescadores. Não, estou falando sério.

Perdi a paciência. Afinal, se você não confia em mim não adianta nada a gente continuar. Um casamento deve se… se… como é mesmo a palavra?… se alicerçar na confiança mútua. O casamento é como um número de trapézio, um precisa confiar no outro até de olhos fechados. É isso mesmo. E sabe de outra coisa? Eu não precisava ficar na cidade durante o carnaval. Foi tudo mentira. Eu não tinha trabalho acumulado no escritório coisíssima nenhuma. Eu fiquei sabe para quê? Para testar você. Ficar na cidade foi como dar um salto mortal, sem rede, só para saber se você me pegaria no ar. Um teste do nosso amor. E você falhou. Você me decepcionou. Não vou nem gritar por socorro. Não, não me interrompa.

Desculpas não adiantam mais. O próximo som que você ouvir será do meu corpo se estatelando, com o baque surdo da desilusão, no duro chão da realidade. Alô? Eu disse que o próximo som… que… O quê? Você não estava ouvindo nada? Qual foi a última coisa que você ouviu, coração?

Pois sim, eu não falei — tenho certeza absoluta que não falei — em “pareô vermelho”. Sei lá que cor era o pareô daquele cretino na foto. Você precisa acreditar em mim, querida. O casamento é como um número de…

Sim. Não. Claro. Como? Não. Certo. Quando você voltar pode perguntar para o… Você quer que eu jure? De novo? Pois eu juro. Passei sábado, domingo, segunda e terça no escritório. Não vi carnaval nem pela janela. Só vim em casa tomar um banho e comer um sanduíche e vou logo voltar para lá. Como? Você telefonou para o escritório. Meu bem, é claro que a telefonista não estava trabalhando, não é, bem. Ha, ha, você é demais. Olha, querida? Alô? Sábado eu estou aí. Beijo nas crianças. Socorro. Eu disse, um beijo.

*Luís Fernando Veríssimo*

Certíssimo!

"A suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por aquilo que você é;
ou,mais corretamente,de ser amado apesar daquilo que você é"

(Victor Hugo)

O Craque DIRRAN



DIRRAN - com "biquinho" para pronunciar num francês correto - Jogador do Rio Grande do Norte meio agalegado/sarará. Era entroncadinho e tinha as pernas curtas.

Há alguns anos, quando o Clube Atlético Potengi ainda jogava no Machadão contra o Potyguar de Currais Novos, na 2ª divisão do Campeonato do Rio Grande do Norte, um jogador atleticano se destacava fazendo dribles desconcertantes, lançamentos perfeitos e fazendo gol.

O narrador da Rádio Poti não cansava de gritar:

"Dirran é um craque", "Dirran é uma revelação do futebol
norte-riograndense". E era Dirran prá cá, Dirran pra lá ...

No final do jogo, o Clube Atlético Potengi perdeu por 3 x 1, mas o destaque daquele jogo foi o jogador Dirran.

Vendo aquele sucesso todo do jogador atleticano, um jovem repórter da Rádio Poti foi fazer uma entrevista com o craque na beira do gramado e foi logo perguntando:

"Você tem parentes na França? Esse seu nome é de
descendência francesa?".

O jogador, olhando espantado para o repórter, respondeu:

"Não sinhô, meu apelido é Cú de Rã, mas como num pode falar na rádio...
então, eles abrevia".

(Dizem q o fato é verídico,procura-se autoria)

quarta-feira, setembro 09, 2009

sábado, setembro 05, 2009

*Certa noite de chuva*



Chovia muito no último dia em que vi meu pai. Eu estava com oito anos de idade e padecia na cama com 40ºC de febre. Amígdalas.
Meus pais tinham se desquitado havia já alguns meses. Eu, meus irmãos e minha mãe morávamos num apartamento de um quarto na Assis Brasil. Ele foi nos visitar e deparou comigo tiritando sob a coberta.
Lembro com nitidez daquela noite, dele parado à soleira da porta do quarto, de pé, olhando-me, e minha mãe ao lado, com o papel da receita do médico na mão. Ele tomou a receita e ofereceu-se para ir à farmácia. Deu as costas para o quarto, mergulhou na escuridão do corredor e foi embora. Nunca mais o vi.
Logo depois ele se mudou para outro Estado, no Centro-Oeste, e lá construiu o resto da sua vida. Um dia de 2001 alguém me disse:
— Teu pai morreu ontem.
E eu não sabia o que sentir.
Não conto essa história com ressentimento. Porque acho que entendo o que aconteceu com meu pai, naquela noite de chuva. Ao sair do apartamento, ele de fato tencionava comprar os remédios.
— Vou comprar dois de cada! — recordo que disse.
Mas meu pai era alcoolista. Na rua, deve ter cruzado pela porta de um bar, ou com um amigo, e parou para beber. Quando deu por si, era tarde para ir à farmácia e tarde para desculpar-se. Continuou bebendo, gastou todo o dinheiro e, no dia seguinte, envergonhado, preferiu não dar notícias.
Assim passou-se um dia, e outro, e mais outro. De repente, havia transcorrido tempo demais para voltar atrás ou para dar explicação. Meu pai não enfrentou a própria vergonha, isso não é incomum. Acontece. É compreensível.
O que sempre me enfeitiçou nessa história, que, afinal, é parte da minha própria história, não foi o detalhe da desistência do meu pai. Não foi o abandono. Foi o momento em que meu pai decidiu entrar no bar. Uma decisão tão aparentemente irrelevante, tão fácil de ser tomada, dar dois passos da calçada em direção a uma porta aberta, e, ao mesmo tempo, uma decisão tão crucial.
Fico pensando em como a vida é repleta dessas pequenas deliberações que podem alterar rumos e mover destinos. Fico pensando em todas as palavras espinhosas não ditas, nas vezes em que o sinal amarelo não foi cruzado, em que o gatilho não foi apertado, em que não liguei para ela, nas chances que deixei passar, e nas vezes em que fiz tudo isso, por bem ou por mal.
Um passo, uma palavra, um gole, um pedido de perdão que não foi feito, e tudo muda. Mudou para meu pai. Mudou para mim. Neste fim de ano, o que desejo a todos é isso, que o passo seja certo, que a palavra seja macia, que o gole valha a pena, que o perdão seja pedido. E concedido.


Crônica do jornalista David Coimbra